quinta-feira, 4 de abril de 2013

Amor aos objetos

Recebi esse comentário da Maria e vou responder por aqui:

"Qrda Ziula:

Gostaria muito que me explicasses o que queres dizer com «na realidade está faltando é vontade e coragem para ser cada vez mais minimalista, para cada vez mais limitar os pertences ao essencial».

É todo o trabalho de teres de destralhar o que está a mais? É o amor aos objetos que foste adquirindo ao longo do tempo? É a super-auto-vigilância que temos sistematicamente de exercer sobre nós próprios para vivermos apenas com o necessário? É o cansaço do combate permanente contra a sociedade de consumo em que vivemos?

Também eu sinto muitas vezes que é uma atitude muito difícil de manter. Contudo, é a única atitude certa! Disso não tenho a menor dúvida. Todos os estudos e indicadores disponíveis nos alertam para isso. Temos de «empobrecer», de abrandar o nosso ritmo de vida, de nos concentrarmos no essencial: sermos melhores, mais cultos e mais sábios, valorizarmos a amizade e as relações positivas, sermos mais solidários e mais ativos na nossa comunidade.

Até podemos viver mais uns anos nesta vida de «fantasia», de faz-de-conta em que todos os habitantes do nosso planeta, incluindo nós próprios, podemos continuar a viver como se tivéssemos 7 planetas Terra para nos sustentar, mas os nosso filhos já não terão essa hipótese. E, por isso temos o dever de os preparar para o que vai acontecer."

Só para variar fico pensando muito quando recebo esses comentários e isso tem me ajudado demais nesse caminho por onde ainda estou engatinhando.

Uma parte da minha dificuldade é realmente o "amor aos objetos", a história de cada um. Tenho a consciência de que não me farão falta e ao mesmo tempo sinto um apego emocional imenso.

É o jogo de sofá antigo de cetim rosa que foi reformado e recebeu couro ecológico com a cor camurça. As horas de lavagem cerebral feita na esposa do seu Pubi para que vendesse o jogo que era da época do seu casamento e ela já esta uma senhorinha. São os pés palito. A forma de divã do sofá. O tempo em que convivi com seu Pubi e a esposa quando advogava. O seu Pubi tinha um bolicho embaixo no meu escritório de advocacia e era um bar onde se podia jogar boliche, embora eu nunca tenha frequentado porque havia muitos bêbados no local. É o casal de gêmeos que ele perdeu atropelados quando brincavam na calçada (e essa lembrança nem deveria ser minha!).

A cadeira do Coronel Libório Pimentel que minha tia comprou da família Pimentel e depois vendeu para mim, isso depois que enchi muito a paciência dela. A tal cadeira tem a marca da chaleira que ele colocava ali para tomar chimarrão. Para verificar se a água do chimarrão estava boa ele tomava pela bomba e cuspia no cachorro (não lembro mais o nome e até pouco tempo sabia como se chamava esse cachorro!), se o cachorro saísse latindo é porque a água do chimarrão estava quente o suficiente. É uma cadeira fabricada pela antiga fábrica Móveis Cimo e tem até a etiqueta embaixo do assento.

Podes encontrar também a boneca Stella comprada na Itália em uma feira de Firenze e assim batizada porque na época caiu uma chuva de estrelas cadentes. Era o anod e 1993 e foram duas semanas maravilhosas, inesquecíveis, passadas na Toscana com um dicionário português italiano embaixo do braço.

Outra boneca, da minha avó que hoje tem 92 anos. Quando ainda namorava meu avô, acho que nessa época, ele comprou a boneca para ela. Costureira, somente fazia alta costura, fez o vestido da boneca, lindo, azul claro da cor dos olhos dela (minha vó) com fitinhas em cima do tecido fininho. Recebi a boneca com o vestido já desmanchando e com a recomendação de que não contasse para o meu avô, porque ele iria ficar chateado embora eu fosse a única da família que poderia receber aquela relíquia porque iria cuidar (olha a responsabilidade!). Achei um costureiro, refiz o vestido e hoje ela está em uma caixa esperando a oportunidade de ir para o apartamento novo e quem sabe ficar enfeitando a cama ou alguma prateleira.

Três quadros pintados por Fernando Calderari. Pessoa simplesmente maravilhosa. Em 1996 eu passava horas no atelier somente olhando ele pintar. Uma vez pintou um retrato meu e depois passou tinta em cima porque tinha certeza de que poderia fazer melhor, palavras dele. Nunca fez. Pediu que eu trouxesse da Espanha uma tinta cuja cor era Terra de Siena. Somente pintava marinhas depois de determinado período da vida artística e desenvolveu uma técnica fantástica para pintar as nuvens. Fez com que eu entendesse que existiam nuvens de cor rosa e realmente existem. Fumava um cigarro de nome 775 ou 755 que era feito com folhas de alface. Recebi de presente algumas litogravuras (não tenho certeza se era essa a técnica) e que também estão na parede, mas essas tem outros desenhos como um lampião e uma fruta. Sempre digo para a Izabel que os olhos dela, azuis como o céu, foram pintados por Calderari e ela ri muito dizendo "sei".

E a gravura de Emiliano Di Cavalcanti? Namorei por meses na internet até que uma boa alma foi para São Paulo e trouxe de presente. O Pedro fala que a obra está inacabada, porque na parte onde tem uma rede pendurada somente pode ser enxergada a fixação de um único lado.

Assim é... poderia ficar o dia lembrando de objetos, seus significados, sentimentos que despertam, lembranças que afloram. Ainda não sei como lidar com isso e aceito sugestões!

8 comentários:

  1. Ziula, o seu post de hoje me fez pensar em alguns objetos pelos quais mantenho o mesmo apego emocional, e quer saber, acredito a vida precisa disso, porque o apego não é ao objeto, é sim ao que ele representa, às memórias que evoca. Tão bonito, tão lúdico, tão essencial onde tudo é tão descartável e passageiro. Sou agora uma defensora do menos é mais, mas realmente acharia muito difícil me desfazer de objetos com recordações e histórias tão boas rs.

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    1. Cláudia, estou ainda pensando no que fazer, pois a intenção é que o Renato vá para um lugar menor e muita coisa não poderá acompanhar, sendo que em Londrina não haverá espaço para muitos dos meus objetos com histórias. Confesso que foi muito bom escrever sobre eles e acho que já tenho um parâmetro de quais são os objetos importantes para mim.

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  2. Não é para ficares braba comigo, mas não acho que precise se preocupar com o minimalismo na sua essência, digamos assim. Temos que ter as coisas que gostamos mas ao mesmo tempo não consigo entender o amor à coisa, sabe?

    Esses dias, ontem ou antes de ontem, um amigo de longa data postou uma matéria sobre “menos é mais” no facebook. Eu para variar fui mexer pois tenho uma implicância com o que ele fala desde que eu tínhamos a idade da felicidade (18,19), assim que tive que dar uma mexida básica. Mas também fui ver o link da matéria e lá tinha coisas meio exageradas no meu ponto de vista.

    Gosto de tudo mais ajeitado, sem excesso de coisas, mas também não fico me preocupando em me desfazer das minhas coisas que gosto. Só que gostar # amar!! rs

    Por exemplo, tenho várias coisas da minha infância ainda que me remetem boas lembranças mas as melhores nem estão nas coisas, o que tem valor mesmo não estão nas coisas, estão na cabeça. Só que isso nunca vai fazer eu querer me desfazer de algo só porque não é necessário.

    Tenho um dumbo grandão que trouxe da Disney quando tinha uns 14 anos. Daí, uns anos atrás um piá, filho de uma prima, que hoje deve ter 10/12, olhou para o meu dumbo e perguntou o que era aquilo. Bah, pensei em falar umas coisas para aquele piá mas me contive. O meu dumbo tem toda uma história e para o piá era uma coisa desconhecida, sem o menor valor!!


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    1. Adriana, minimalismo em sua essência jamais vou alcançar. Acho que você leu aquele texto do rapaz que tem quinze objetos... rs... totalmente inalcançável...

      Ainda me dói ter tirado aquela placa de carro... rs... e se ela pudesse se tornar uma antiguidade??? rsrsrs

      Esse dumbo!!! nem vou dizer nada!!!

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  3. Não Lide.
    Na minha opinião nenhum desses objetos que você descreveu acima são passíveis de serem vitimados (não me ocorreu outra palavra) pelo minimalismo. Uma coisa é vc deixar de comprar três sapatos novos, enquanto os velhos não acabam e outra coisa é vc se desfazer de sua história. Se eu tivesse que escolher entre meus inúmeros sapatos (nada minimalista, 114 pares em 10/2011, fora os de ginástica e os chinelos) e as lembranças materiais desse tipo que eu guardo com esforço na minha casa pequena, eu nem pensaria duas vezes em me desfazer dos meus sapatos, que adoro pela estética, mas nada representam na minha vida.

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    1. Gabriela, esse post foi muito importante para mim, embora tenha limitado a história à alguns poucos objetos, muito mais há...

      Penso que agora tenho uma medida melhor para o destralhe!!!

      Obrigada pela dica!!!

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  4. Qra Ziula:

    Quando tentei pensar nas razões que nos tiram a vontade e a coragem de sermos realmente minimalistas (porque essa atitude é não apenas a mais correta para a vida, mas a melhor para nós próprios, a que nos faz mais felizes), o que eu queria mais ou menos inconscientemente era ter a certeza que tu continuavas neste caminho... comigo..., connosco...! Porque... eu preciso de ti! Tu sabes tão bem quanto eu que há alturas e fases em que é muito, muito difícil manter o «rumo»! Faz parte da aprendizagem e do caminho.

    Em relação ao «amor aos objetos», tirando talvez o jovem dos 15 objetos (e quem sabe apenas porque é jovem...) quem não tem os seus? Eu tenho os meus, sim. E há alguns que, sinceramente, não quero abdicar deles, até porque pelo menos por agora não preciso.

    Sempre achei que o ser humano é um ser de objetos. Não é por acaso que um dos nossos avós préhistóricos foi o «homo faber», o que fabrica...objetos. E não apenas porque são úteis, mas também porque se tornam quase imediatamente simbólicos. O mais despojado dos nossos irmãos indianos, africanos, aborígenes, bosquímanes... carrega consigo um fio de missangas, uma pulseira de ervas entrançadas, um brinco de conchas, uma bolsinha para os seus objetos vitais os quais não são todos propriamente... úteis, verdade? Porque para vivermos bem nós, os seres humanos, precisamos de nos situar num universo simbólico com a nossa marca!

    Em relação aos meus objetos de amor, eu tenho uma hierarquia que, na verdade, se tem alterado com o tempo. Uma opção que me fez muito bem foi ir oferecendo alguns destes objetos a quem eu reconheço que os aprecia. Não apenas faço alguém feliz com eles, e olha que por vezes até muito mais feliz do que eles fizeram comigo, como entrego esse amor simbólico a outrem que o continua... Como eu própria o fiz, até porque muitos destes meus objetos também já eu os herdei. Como tu própria já fizeste isso no momento em que ficaste com objetos preciosos para outras pessoas. Agora é só ires pensando em como «passá-los» a outra geração, na altura certa à pessoa certa. Para mim é até uma atitude ecológica, de reciclagem e de amor, digamos assim.

    Bj grande,

    M.

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    1. Maria, adorei suas idéias e suas palavras. Certamente encontrarei meus herdeiros na hora certa. Beijos e obrigada!!!

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